3 de ago. de 2013

Reportagem sobre o novo app

Angela Lago e sua revolução digital

(Por Aryane Cararo)
A escritora mineira Angela Lago está sempre metendo seu dedinho onde existe tecnologia associada à leitura. Sozinha, ela testa linguagens de programação, cria brincadeiras, faz historinhas interativas e, agora, inventou o que batizou de animações interativas. O que é isso? Nada mais do que estamos chamando de livro digital, ou seja, aquele feito para os tablets. Mas não é nem o fato de ter feito sozinha um aplicativo que tem tirado tantos sorrisos da autora. Angela anda feliz porque acredita que sua invenção vai revolucionar a forma de aprender as línguas. A criança de 2, 3 anos, diz ela, vai poder se alfabetizar sozinha. E a de 4, 5 já conseguirá ler textos. Tudo isso graças às possibilidades interativas que o tablet oferece.
Em duas semanas, ela espera já colocar uma versão da primeira frase animada e interativa no seusite. A versão para download gratuito virá em seguida, tão logo ela consiga transferir todo seu site para a plataforma dos tablets. A frase é bem simples: “Era uma vez uma dona”. Separadamente ou combinando as letras, a criança ouve os sons produzidos. Se casar as letras corretas, verá beijinhos ou carinhos entre as letras. Basta correr o dedinho pela tela, como tantas vezes ela faz até no caderno de papel. Sim, tudo é muito simples. Mas, deslizando o dedo pelo tablet, juntando letras e formando palavras, a criança se torna dona do próprio processo de aprendizado. É aí que está a revolução que Angela quer fazer, começando por essa frase e evoluindo para outras até chegar a histórias mais complexas (feitas por ela ou por quem quiser seguir o modelo).
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Leia mais sobre o bate-papo com a escritora durante o 4o Congresso Internacional CBL do Livro Digital, que foi realizado na quinta e sexta-feira em São Paulo e discutiu o futuro do livro. Ela fala sobre seu aplicativo e o livro além do papel.

Que experimentos você está fazendo com o livro digital?Ando muito atenta à criança que está começando a aprender a ler. Acho que, na nossa cultura, talvez seja o ritual de passagem que marca mais e venho desenvolvendo o que chamo de animação interativa. Eu sequer chamo de livro, não sei o que vai ser o livro. Algumas são histórias e algumas não, têm um caráter de jogo mesmo, sobretudo de jogo didático para ensinar a ler. E acabei de descobrir uma pequena coisinha que acho que pode revolucionar a leitura. Embora seja muito simples, pode revolucionar a possibilidade de ler e de ler não só no seu idioma, como em outros também.

Por que vai revolucionar?Atualmente, a criança não gerencia a sua leitura na internet. Por quê? Acende uma luz sobre a palavra que está sendo falada, mas não é ela que acende a luz para escutar essa palavra. O ritmo de leitura é dado de antemão pela pessoa que construiu o app. O que estou sugerindo é a mudança desse gerenciamento. É a própria criança gerenciar essa leitura. Uma criança que tem dificuldade de centrar sua visão nessa palavrinha acesa, na medida em que ela está gerenciando, não há mais essa dificuldade. Em vez de fazer com que a criança leia a palavra ou a frase, vou sugerir que ela comece a ler letra por letra e aprenda a formar a palavra. Na medida que ela segue, forma, mesmo que errado, a palavra. Se a criança aprender a seguir com o dedinho a leitura, vai ler sozinha. Mesmo que ela ainda não tenha começado a aprender a ler.

Para crianças de que idade?Imagino que a partir de dois, três anos elas já vão brincar com isso e estar se alfabetizando com quatro ou cinco. Já vamos dar histórias para a criança ler a partir de 4 anos.




Isso anteciparia a alfabetização da criança, não?
Sim. Nós podemos antecipar também a capacidade de ler em outros idiomas com essa brincadeira, porque os sons vão ficar muito fáceis. Estou muito feliz se isso for usado em benefício, sobretudo, da criança disléxica. Acho que tem aí um caminho que vai ajudar muito a criança com dificuldade de leitura. E uma esperança muito grande de que esse app seja o ponto de partida para ter textos maiores que ajudem a criança com dificuldade a ler.

A leitura é uma brincadeira também?
Sim, a leitura é uma brincadeira, uma brincadeira de adivinhação. Precisamos adivinhar, a cada língua que a gente começa a ler, quais são as letras que se unem e quais não e, quando se casam, o que geram.

O aprendizado é geralmente “doloroso” para a criança, que é obrigada a parar, sentar e ficar quieta aprendendo. É diferente com o aplicativo?
(O aprendizado tradicional) exige concentração quando ela, às vezes, não tem concentração. Aqui não há concentração, porque ela vai ficar brincando. Ela vai, inclusive, fazer brincadeiras erradas. Ela vai ter a possibilidade de seguir a linha da leitura, digitar todas as letras juntas só para fazer barulho, experimentar as letras que não se casam se casando para ver que ruído fariam. Aprender é a melhor brincadeira que conheço e nós não devemos transformar isso em castigo. Isso pode ser feito sempre ludicamente.

Qual é o futuro do livro?
Acho que existem dois pedidos muito claros. Um vem do leitor que está acostumado a se concentrar na leitura e que quer um livro o mais parecido possível com o que ele tem na sua biblioteca dentro do tablet, para ficar mais fácil de carregar. Esse é o pedido do leitor adulto e é de alguma forma, também, o pedido da criança que aprendeu a ler e quer continuar com a experiência da leitura como ela aprendeu. Mas o nativo digital, a criança que já nasceu no meio dessa tecnologia, tem tal fluência nessa tecnologia que as atividades interativas não a desconcentram da leitura. Elas não interrompem essa leitura e, ao mesmo tempo, fazem sentido para elas. Esses dois pedidos, o do livro que se assemelha a um jogo e do que se assemelha o máximo possível ao livro são duas tendências que devem continuar durante algum tempo.

Muita gente diz que livro digital não é livro, mas brinquedo. E você?
Também tenho minhas dúvidas do que vai ficar com o nome de livro ou não. Estamos num momento muito inovador, em que novas experiências estão sendo feitas, mas não importa o nome, se vai ser chamado de livro ou de jogo ou de animação interativa. Eu não sei o que vai ser, mas gostaria que a criança tivesse chance de ter, em vez de uma, diversas experiências de leitura, uma delas sendo a da leitura aprofundada, com seu próprio ritmo, concentrada, sem nenhuma intervenção. Não importa o suporte.

Muda a forma de narrar?
A narrativa muda completamente nas animações interativas, porque elas passam a funcionar com possibilidades de caminhos diferentes. Ou as narrativas são árvores com diversos ramos que o leitor vai poder acompanhar, mesmo que ele retorne ao tronco no final, ou ela pelo menos se divide em dois caminhos que se bifurcam e voltam a se encontrar. Não há como fazer uma narrativa que não dê ao leitor duas possibilidades, pelo menos, de caminhos diferentes.

Tem alguma fórmula do que funciona melhor para o tablet?
O tablet mudou muita coisa. A gente acha que é igual ao computador, mas não é. O dedo, sem a interferência do mouse, dá uma proximidade com a mídia muito diferente. Essa possibilidade, por exemplo, que fiz agora, foi lembrando que a criança acompanha a leitura com o dedo e que ela provavelmente vai fazer isso no tablet. Ela não acompanha a leitura com o mouse, com o mouse ela explora a tela. Há outras coisas que o tablet dá de diferente, por exemplo: sacudir, virar, isso tudo vai ter que ser incorporado, mas não da maneira vazia com que está sendo feito, em que isso virou apenas uns sinozinhos que tocam. Vai ter que ser incorporado na própria narrativa como chance de a narrativa se transformar. Tem que ter uma coerência com a história, fazer sentido.

O que você já aprendeu com suas tentativas?
O que venho aprendendo ao longo da vida é que simplicidade vale a pena em tudo, sabe? Que, se eu descobrir a forma mais simples de fazer, vai ser a mais eficaz. E que a pirotecnia vai ter que ser simples também, porque vai ter de ser em função do contexto e do conteúdo do que você está fazendo. Se a pirotecnia é supérflua, não ajuda a leitura, atrapalha. Balançar para acontecer alguma bobagem só vai desconcentrar o leitor. Estamos aprendendo todos. E estamos fazendo muitas bobagens.

Há quem diga que o tablet traz distração para a criança. Você concorda?
Traz informação também, é uma forma da criança se informar, mas são informações em que você vai pescando e tecendo a sua própria informação, sem seguir com o pensamento de um pensador só. É claro que é muito interessante você formar seu próprio pensamento com retalhos colhidos aqui e acolá. Mas seguir o pensamento de um grande pensador também é interessantíssimo. Nós não vamos querer perder nada, não é? Que venha o novo e nos deixe também o que já conseguimos durante esse período de civilização. É acumulativo, a leitura vem sendo acumulativa desde o período cuneiforme.

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